31 janeiro 2015

American Sniper






Curto e grosso, "American Sniper" é o retrato de um homem duro, inabalável na sua convicção de um patriotismo e sentido de dever extremistas, que sempre se sobrepuseram a tudo e todos, família, bem-estar e moral. 
Não me espanta e, em certa medida até entendo, o modo como Clint Eastwood construiu o filme; afinal, trata-se de uma adaptação da autobiografia de Chris Kyle, portanto faz sentido que tudo o que nos é contado, tudo o que vemos, seja pela perspectiva muito preto no branco, sempre América vs os outros - o mal, do sniper mais mortífero da história dos E.U.A, como tão pomposamente é declarado. Por isso, também não acho que o filme propriamente o glorifique, é simplesmente a sua visão do mundo. É unidimensional sim. É limitante e amorfa, na minha opinião, características que se estenderam à própria narrativa do filme. E Bradley Cooper não teve estofo para compor esta personagem; não basta atingir a parecença física, pedia-se uma maior profundidade para tamanha alma sombria e severa. 

Concluindo, não gostei particularmente de American Sniper, é um filme desinspirado e mecânico. Se o considero propaganda, como já li por aí? Não, sem dúvidas. Se acho que ganhava com uma maior inquisição moral da sua personagem? Seguramente. O seu ponto de vista é constritivo e por si só levanta inúmeras questões, desde a legitimidade da invasão do Iraque e dos actos das tropas norte-americanos ao próprio desenvolvimento da mentalidade e atitude destes homens, não esquecendo também o problema cada vez mais premente e próximo do terrorismo. Mas como disse, não é esse o objecto de American Sniper e não acho justo crucificá-lo com base nisso de uma forma tão primária, embora não partilhe nem concorde com o “modus operandis” de Chris Kyle enquanto um todo, pessoa e militar. E assim, ao sair da sala, não deixemos, então, de discutir à mesma e seriamente todas essas questões.


Night Will Fall






“Unless the world learns the lesson these pictures teach, night will fall.” 


Intenso e agonizante, “Night Will Fall” cumpre o seu propósito: informar, chocar, manter viva a memória do Holocausto. Exactamente a intenção do que seria o documentário original, German Concentration Camps Factual Survey, de título cru e eficaz, pois idealizado para testemunhar e preservar as provas das atrocidades nazis, aquando da descoberta e libertação dos campos de concentração, para que o mundo as conhecesse e nunca as negasse.

Night Will Fall reconstrói brilhantemente, utilizando uma grande parte dessas imagens originais e recorrendo a depoimentos dos sobreviventes, dos militares que libertaram os campos e do pessoal envolvido no filme, uma dupla narrativa: por um lado, o processo técnico da elaboração do documentário, digamos assim; por outro, um testemunho pessoal do que significou a Libertação e o confronto dos envolvidos com as barbaridades do regime nazi. É arrepiante. 

A memória colectiva guarda há já muito um quadro desta realidade. E contudo, ninguém poderá ficar indiferente, e ainda bem, ao que nos é mostrado e contado, desolador, nauseante, atroz. 


“Our instructions were to film everything 
which would prove that this had actually happened. 

It would be a lesson to all mankind, as well.”
(Sidney Bernstein)


27 janeiro 2015

Auschwitz - 70 anos



(Texto originalmente publicado no blogue "Nunca te olharei por dentro")


Auschwitz. Penso que vi o nome pela primeira vez quando li o “Diário de Anne Frank”; dizia, no prefácio, que era um dos campos para o qual a família tinha sido enviada. Aos 10 anos, pouco ou nada sabia sobre a 2ª Guerra Mundial ou o Holocausto. Do “Diário…” permaneceu a admiração, a reflexão, o desconforto; o nome, esse tal, ficou gravado como uma memória distante. Depois chegaram as aulas de História: fascismo, a ascensão de Hitler ao poder, nazismo, anti-semitismo, a invasão da Polónia, 3 de Setembro de 1939, Aliados, Dia D, conceitos e acontecimentos, os campos de concentração, extermínio, e as imagens. Corpos emaciados, deitados ou de pé naqueles tabiques, olhar vazio. Não eram tão “gráficas” como as que mais tarde pesquisei e vi, mas já indiciavam o horror que queriam denunciar. Antes ou depois disto, não consigo precisar, vi na televisão o filme “A Vida É Bela”e depois, mais tarde, “A Lista de Schindler” e assim também fiquei mais próxima do tema do Holocausto. Quis saber mais, devo ter procurado nas enciclopédias Larousse dos meus pais, se calhar já alguma coisa na Internet. Era impressionante e desconfortável o que fui aprendendo, era um horror inimaginável, profundo, atroz! Lembro-me de ler que Eisenhower ordenou que se fotografassem e filmassem os campos de concentração, para que a memória não fosse perdida ou, e isto é assustador, não fosse negada. Na Alliance Française, um dos exercícios passava por ler notícias ou crónicas, e já se falava da Frente Nacional e da sua xenofobia, depois na televisão também se começou a falar deste partido e do seu (execrável) líder Le Pen, que dizia, entre muitas outras, barbaridades também sobre o Holocausto.





Auschwitz e Holocausto são indissociáveis. Auschwitz será certamente o campo de concentração e extermínio mais conhecido. Mas não era, infelizmente, o único; existiam dezenas espalhados pelo Reich. Uns, como Treblinka e Sobibór, tinham como único objectivo o extermínio, eram campos de morte. Auschwitz começou como um campo de concentração, de trabalho, só mais tarde passou a funcionar também como um de extermínio. Porquê este relevo, este “fascínio”? Não será difícil supor as razões. Falar de Auschwitz é falar de mais de um milhão de mortos, um milhão dos quais judeus. Falar de Auschwitz é falar de Mengele e das suas abjectas experiências. Falar de Auschwitz é ver as fotografias dos sobreviventes, dos cadáveres, dos crematórios, dos pertences abandonados. Falar de Auschwitz é relembrar o hediondo significado das palavras: “Arbeit macht frei / O trabalho liberta”. Falar de Auschwitz é ouvir e ler os testemunhos dos sobreviventes. Falar de Auschwitz é sentir-se “sufocado” pelo horror. Há uns tempos vi “Nuit et Brouillard”, excelso documentário de Renais, e assistir àquela sucessão de imagens de horror e de desumanidade rouba-nos de facto algo de nós, é impossível permanecer o mesmo. Falar de Auschwitz é também perguntar como e porquê e não esquecer as respostas. É importante conhecer e reflectir sobre a ideologia que conduziu ao Holocausto. O anti-semitismo esteve sempre presente nos discursos de Hitler. As restrições aos judeus começaram muito antes da guerra. A violência também; não esqueçamos, por exemplo, a “Kristallnacht”. E contudo, ser confrontado com a progressão da Solução Final é deveras desolador e assustador, porque demonstra, com uma crua clareza, que não houve limites para a depravação e monstruosidade do regime nazi. As câmaras de gás, em todo o seu horror, foram a arma eficaz e célere de assassinar milhões de prisioneiros. Mas ler, em “Auschwitz – Os Nazis e A Solução Final”, que a sua idealização surgiu pela procura de “um método que provocasse menos danos psicológicos “ aos nazis é algo tão estranho quanto revoltante. “Era, no entanto, certo para os nazis em Auschwitz que o uso do Zyklon B tornava o processo mais «suave». A partir de então, os assassinos já não tinham de olhar as vítimas nos olhos, enquanto as matavam. Hoess relatou como estava «aliviado» por se ter encontrado aquele novo método e como isso o «poupava» a um «banho de sangue». Estava enganado. O verdadeiro banho de sangue mal tinha começado.”

Ler estes relatos é arrepiante. Ler sobre as famílias separadas, o transporte em vagões como animais, as selecções, a tortura e violência perpetradas pelas SS e pelos guardas, as experiências médicas, a fome e o frio, a perda da dignidade e da identidade, as marchas da morte, é sem dúvida arrepiante. É, e recupero uma frase que escrevi sobre “Nuit et Brouillard”, perder “algo de nós para que nunca esqueçamos”. E assim, falar de Auschwitz é também, e principalmente, nunca esquecer. Falo agora de Auschwitz como um símbolo. Um símbolo da perseguição e extermínio dos judeus, de outras minorias e opositores. Um símbolo dos outros campos de horror, Dachau, Treblinka, Bergen-Belsen, Chelmno, Buchenwald, citando apenas alguns. Um símbolo do extremismo e da desumanidade. Do mal absoluto. Um símbolo da “percepção do que seres humanos educados e tecnologicamente avançados podem fazer desde que possuam um coração frio” (in Auschwitz - Os Nazis e A Solução Final). Por isso, é vital, e permitam-me a repetição, nunca esquecer. Lamento aqueles que não conhecem esta realidade da História, mas assustam-me ainda mais aqueles que o minimizam, o desprezem, o negam. É simplesmente abjecto. O Holocausto foi um acontecimento único, como todos os acontecimentos são. Mas, e volto ao livro “Auschwitz…”, “julgada à luz do contexto de meados do século XX, a cultura sofisticada da Europa, Auschwitz e a Solução Final dos nazis representam o acto mais baixo em toda a história”. Aprendamos com o que se passou, então. Não esqueçamos nunca, então. Recordemos, sempre, para assim honrar as vítimas e os sobreviventes, para não repetir um passado que não é assim tão distante. 






 (imagens retiradas do Pinterest)

26 janeiro 2015

Momentos (XIV)





"I have no end of failings as a mother, but I have always followed the rules."







"You can call it inocence, or you can call it gullibility, but Celia made the most common mistake of the good-hearted: she assumed that everyone else was just like her."







That boy hardly needed a mask when his naked face was already impenetrable.




Just cause you get used to something doesn't mean you like it - he added. 
- You're used to me.



Perturbador. Agreste. Desconcertante. Abusivo. 



We Need To Talk About Kevin (2011)


23 janeiro 2015

The Theory of Everything






E o tudo é, simplesmente, Eddie Redmayne
Que metamorfose, por Deus! É quase indescritível a forma prodigiosa como “incorporou” Stephen Hawking, assumindo cada pequena e tormentosa evolução da doença, cada decair físico, cada minúsculo trejeito expressivo do rosto, num jogo irónico e singular de estar em controlo sobre a sua simulação de descontrolo…Pareceu-me, direi, (quase) sobre-humano! 





Já o filme, como um todo, está longe de ser extraordinário. Gostei sim, mas não me arrebatou. 

Por um lado, a história inicial de amor entre estes dois opostos foi desenvolvida de forma cativante, não só através das performances dos protagonistas como também pela beleza genuína da fotografia e da banda sonora. A curiosidade e o génio de Hawking também foram bem retratados, mostrando alguns dos seus postulados mais importantes e que tanto mudaram quer a Física quer a nossa percepção do mundo. 
Por outro lado, penso que por vezes pecou por ser pouco mais que uma sucessão de eventos, carecendo de alguma emoção, como por exemplo na dualidade dedicação/exasperação por parte de Jane, transição que achei demasiado repentina, ou ainda quando surge a que seria a futura 2ª mulher de Hawking. Uma narrativa contada de forma pouca inspirada, talvez, que retirou alguma força e interesse da dinâmica do filme. 


Concluindo, não fosse a tremenda composição de Eddie Redmayne, e obviamente a incrível história de vida de Stephen Hawking, e “The Theory of Everything” não seria seguramente tão apelativo.


21 janeiro 2015

(As) Simetrias [18]



Dois filmes, quatro imagens, um pormenor comum, um olhar (as) simétrico: 

hoje entre "Edward Scissorhands" e "Corpse Bride"!














Ou, como nos filmes de Burton, a dita "normalidade" é desinspirada, conformista, lúgubre...e quanto mais divertido e apaixonante é estar no "outro lado"!


16 janeiro 2015

Enemy






Chaos is order yet undeciphered. 


Já tinha este debaixo de mira há algum tempo, principalmente por ser uma adaptação do livro “O Homem Duplicado” de José Saramago, de premissa curiosa e desenvolvimento acutilante, propício, como habitual, a uma boa reflexão. Lida a obra, foi então hora de me dedicar ao filme. 

E dedicar não foi uma mera força de expressão…”Enemy” é sem dúvida um daqueles vertiginosos quebra-cabeças passíveis de muitas e díspares interpretações e saúdo-o por isso. Foi habilmente escrito e realizado e Jake Gillenhaal é fenomenal no modo como, através de pequenas nuances, trejeitos, expressões ou gestos, compõe duas (in)distintas personagens. Mas ainda assim não me cativou. 

E porquê, perguntarão? Eu sei que esta não foi uma adaptação per se e, como disse anteriormente, a narrativa em si, mesmo se diferente, foi engenhosamente desenvolvida. Mas a comparação é inevitável e o facto é que se o filme coloca muitas perguntas, o livro levanta muitas mais. É bastante mais desafiador da ética e moralidade da sua personagem principal, conduzindo-a a um destino bem diferente do apresentado no filme, mesmo considerando as várias possibilidades que a sua própria construção oferece.





Teria eu uma outra opinião se não houvesse “O Homem Duplicado”? Talvez…não nego nem a excelência nem a irreverência de “Enemy”, apenas não me encheu as medidas. Assim, apesar das inegáveis qualidades que lhe aponto, para mim “Enemy” acaba por ser inferior a “O Homem Duplicado”, no sentido em que lhe falta o arrojo e a perversão finais que encontrei na obra de Saramago.


14 janeiro 2015

Unbroken



“We beat them by making it to the end of the war alive. 
 That’s our revenge.” 







Na sua pausada cadência e no seu agitado turbilhão, são várias as cenas em “Unbroken” que nos marcam. Pela sua violência. Pela sua força. Pelo seu desespero. Pela sua resistência. Pela sua superação. 

Numa, após longa tortura, Louie Zamperini é arrastado pelos seus captores, forçado a despir-se e a ajoelhar-se enquanto espera o que julga ser a sua morte certa. Vemos somente o seu rosto. Disforme de lágrimas, marcado pelo pormenor de músculos contraídos em desespero e dor. Depois, atiram-lhe com baldes de água: foi tudo uma encenação, mais um acto de tortura psicológica. Confirmo, no instante, a inegável e impressionante expressividade de Jack O’Connell, que se firma a cada momento do filme. Senhor de uma irrepreensível interpretação, daquelas raras que nos roubam o fôlego e nos tiram os pés do chão com a sua tamanha entrega e crueza! 






Não menos admirável, mas ainda assim menos perfeita, é a realização de Angelina Jolie. Emotiva mas sóbria, subtil contudo agreste, soube dar corpo à impressionante história de Louie Zamperini, sem cair no esquema “America rules” ou “bigger than life” que tanta força e nobreza lhe retiraria. Denotei apenas alguma artificialidade nalguns momentos, como na “reabilitação” de Louie ou na sua reunião com a família após a Guerra ou mesmo o seu comentário quando é capturado pelas forças japonesas, mas nada de propriamente relevante que manche a elegância e sensibilidade do filme no seu conjunto. 


“Unbroken” despede-se com as imagens de Zamperini a correr nos Jogos Olímpicos de Tóquio, transportando a tocha olímpica. No seu rosto lê-se ainda a persistência das suas convicções, a coragem dos seus actos, a resiliência do seu carácter. Recordo novamente a vívida composição de O’Connell. O misto de emoção e frieza que foi a realização de Jolie. E acredito que “Unbroken” fez justiça à sua notável história.


11 janeiro 2015

(As) Simetrias [17]




A vastidão do horror, do desespero, da indignidade da guerra...




Unbroken (2014)




Atonement (2007)