25 julho 2011

Hard Candy





Quando o predador se torna a presa…

Estará esta afirmação, aparentemente definidora, afinal correcta? Quem é verdadeiramente o predador e quem é verdadeiramente a presa? Ao longo de inquietantes e penosos noventa minutos, nunca conseguimos ter a certeza. Como uma sombra, a ambiguidade moral paira sob as paredes róseas daquela moderna casa. Quem é a vítima? Estaremos perante um acto justificável? É desconcertante apercebermo-nos que, a dada altura, o alvo da nossa pena é o presumível pedófilo. Que a franzina menina nos desperta nada mais que raiva e repugnância. A certa altura, ouvimos da sua boca: “Jeff, Play time is over…now it’s time to wake up”. Talvez o seja para ambos. Contudo, nós espectadores, mais não somos que arremessados para as profundezas de um agonizante e perturbador jogo de incertezas e duplicidade, de uma opressiva violência psicológica.




É notável como um filme confinado praticamente a um cenário e a duas personagens consegue ser tão eficaz no seu propósito. Mérito para o conceito, hábil e inovador. Mérito para o realizador, de câmara vibrante, fluida e criativa. E por fim, mérito para os intérpretes deste dúbio e tenso confronto. Elle Page é absolutamente magnífica, num misto de fragilidade e calculismo que, mesmo arrepiante, nos hipnotiza. De discreto a desesperado, assim é a brilhante composição de Patrick Wilson.



Mas, apesar da sua inventiva abordagem, é com pesar que vejo no seu final um desolador desequilíbrio. É simples, o filme perde toda a ambivalência que exalava quando nos desilude com tal forçado desenlace.
Por outro lado, um pormenor deixa-me indecisa. Nunca sabemos as motivações de Hayley. Se na maioria do tempo, isso funciona a seu favor, é por vezes frustrante embater nessa sua natureza enigmática.

“Hard Candy”, embora algo instável, afirma-se como uma difícil e corajosa obra. Tormentosa e doentia. Contudo desafiante. Sem dúvida merecedora do nosso olhar.


"I am every little girl you ever watched,
touched, hurt, screwed, killed."

06 julho 2011

The Tree of Life



"Where were you when I laid the foundations of the earth? When the morning stars sang together, and all the sons of God shouted for joy?" (Job:38)




Subitamente senti-me como o átomo do Ega, deambulando pelas memórias da Criação, desde o cosmos desconhecido até ao pulsar do oceano, em deslumbrante viagem pela intricada rede da vida.

Vida. Morte. Fé. A Santíssima Trindade. Oniricamente venerada. Por um doce olhar materno, pelo sopro do vento na quietude de um jardim, por uma reconfortante gargalhada de criança, em incessante e casta poesia. Na luz omnipresente que nos perturba e encanta. Na música que, delicada e possante, nos eleva à meditação.




E assim confesso que me senti perdida na vastidão de Malick. Não negando a harmonia da imagem, não conseguia criar empatia com a história, essa que ainda me parecia tão indefinida e remota.

E repentinamente, o tormento interior de Jack toma forma. A graça e a natureza em dilacerante confronto, a incerteza e raiva questionando a fé. Memórias de uma infância retalhada, contraditórias recordações de um passado entre a alegria e o temor, persistindo ininterruptamente na cura de uma reconciliação. O jovem Hunter McCracken é sublime na demonstração da dúvida e rebeldia que a sua personagem enfrenta. Jessica Chastain, etérea alma em sobressalto. Ambos colidindo com a insatisfação e tirania paternas, um subjugado Brad Pitt.




Uma gota de água cai, uma célula origina outras, alguém reza, o sol liberta partículas em explosão, um homem tomba em convulsões, uma bola é lançada em brincadeiras de irmãos, com devoção um pai afaga o pé do seu recém-nascido, uma mãe conta histórias aos seus filhos, o universo contrai e expande em mistério. A vida progride na sua efemeridade. Uma praia surge próxima, surreal, enigmática.

Saí confusa. E encantada. E aturdida. Transcendida pelo belo e divino desta Árvore. Contudo ligeiramente desiludida. Que história encerra esta majestosa experiência sensorial?